sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Búlin

Sabe aqueles moleques que te batiam na escola?
Aqueles maiores que te humilhavam e zombavam de tudo que pudessem?
Hoje suas atitudes tem grife: BÚLIN.
Eu até me recuso em escrever esta palavra em inglês.
Me recuso até a fazer o trocadilho com "bulinar".
Eu era um moleque gordo-baleia-sapato-sem-meia.
Um menino em que se fazia "bolinho de angú", onde todos gritavam esta frase e pulavam em cima de mim em dezenas, me esmagando com um peso de uns 200kg que me impedia de respirar ou me faziam encher as narinas e a garganta com a poeira do chão, associada a uma aterrorizante sensação claustrofóbica.
Minha mãe me batia, corria atrás de mim e mesmo que eu me escondesse embaixo da cama ela me cutucava com vigor com um cabo de vassoura "-Sai daí moleque e aprende a ter educação com os outros!".
Meu pai, até hoje, só percebe que existo quando tem alguma crítica bem contundente sobre qualquer coisa que faça.
Eu era feio.
Era gordo até demais.
Era desajeitado.
Tinha dois amigos em uma escola de 3000 alunos.
Nenhuma menina olhava pra mim.
Eu era o mais pobre do bairro.
Meus colegas tinham Garelli (uma bicicleta motorizada) e motos de pequeno porte - que andavam sem capacete e sem culpa - e eu uma daquelas bicicletas Monark que dobravam ao meio.
Eles empinavam e andavam em uma roda, caindo e destruindo suas Garellis, eu lustrava e colocava macarrão colorido nas raias da Monark.
Não deveria então me tornar um psicopata?
Não deveria ter matado minha mãe queimada com álcool?
Não era pra ter me tornado bandido, drogado, fascínora, malandro, maldoso, mal caráter?
Não deveria ter distúrbios mentais irreparáveis?
Deveria estar babando em uma camisa de força, xingando todo mundo.
Mas a realidade é outra.
Amo meus pais e conversamos harmoniosamente todos os dias.
Tenho uma boa empresa e uma profissão gratificante.
Não sou mais tão gordo, mas faço eu mesmo as piadas com a minha falta de cabelo.
Meus amigos ricos seguiram caminhos diferentes.
Uns estão mais milionários que seus pais.
Outros morreram em acidentes com suas motos e carros.
Alguns foram presos, outros passaram de clínica em clínica de reabilitação.
A maioria se casou.
A maioria tem filhos como eu.
Nossos filhos estão sendo ridicularizados na escola pelos mais velhos.
Quando eles crescerem vão fazer o que fizemos: ridicularizar os mais novos.
Minha maior lamentação é não ter tido a chance de, quando pequeno, dizer a minha mãe (que é uma das criaturas mais doces que conheço) que iria processá-la por maus tratos.
Me entristece o fato de saber que não poderia ser delinquente e me esconder atrás do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O que equilibra minha tristeza é saber que hoje há crack e mais uma dezena de variedades de drogas cada vez mais letais.
Que ontem a noite uma menina de 12 anos matou com um tiro um senhor de 50 anos.
A pedofilia...Bem, graças a Deus, meus pais não eram tão religiosos e não tive que passar pelas garras de alguns padres que presenteavam meus colegas com balas e doces.
Nossos filhos estão em um mundo pior em alguns aspectos.
Tem mais chances de morrer e mais riscos do que nós.
Mas eu queria ter internet, ipad e smarthfone com 5 anos.
Queria ter todas as facilidades e tranquilidades tecnológicas.
Queria dar ctrl+c ctrl+v para fazer trabalhos escolares.
Queria ter ido a Disney ou viajar de avião pra qualquer lugar que fosse.
Porém há algo que nos une: O Búlin.
Sou a contra, claro. Politicamente correto contra.
Mas recuso a idéia de demonizar o Búlin.
Descobri que, para cortejar meninas, precisava saber todas as matérias para dar aulas particulares no meu quarto e "fiquei" com meninas que não me assumiam publicamente, mas que alguns bonitinhos, mas burros, não conseguiam nem chegar perto.
Descobri que minha bicicleta não motorizada me fazia emagrecer e me tornei ciclista.
Procurei fortalecer meus músculos na academia.
Aprendi técnicas de defesa pessoal.
Se o sou a favor do Búlin?
Já disse que não.
Apenas registro que me tornei menos fraco frente as adversidades.
Aprendi a lidar com chefes babacas.
Aprendi a me impor. Não ter medo de elevadores.
Consegui escrever livros e ter gosto pela leitura.
Aprendi o valor de ter tido pais que não me "largaram no mundo". Ao contrário, se preocuparam 100% com minha educação e com o que estava fazendo da minha vida.
Vejo que tudo o que me trazia sofrimento forjou minha vitória hoje, aos 41.
Aprendi valores, princípios e entendi que no mundo existem pessoas boas e más.
Aprendi também a diferenciar umas das outras e saber de qual lado devo estar.
Você não vai querer me perguntar novamente se sou a favor do Búlin né?
Já disse que não.
Mas não nego que tenho tido bem mais trabalho em educar meus filhos e mostrar a eles a vida como ela é.

Nenhum comentário: